Propriedade de jogos digitais: licença de acesso e direitos do consumidor
O mercado de jogos eletrônicos em transição digital gera incertezas sobre propriedade dos títulos. Advogados destacam licença de acesso, Código do Consumidor e possibilidade de reembolso em casos de descontinuidade.
O mercado de jogos eletrônicos tem passado por uma transição significativa rumo à digitalização, o que tem levantado diversas questões em relação à propriedade dos títulos comprados pelos jogadores. Exemplos como o caso de The Crew, em que um jogo pode simplesmente deixar de funcionar devido a decisões empresariais, têm gerado preocupações sobre o futuro das bibliotecas virtuais que os gamers vêm construindo ao longo dos anos. O desligamento de serviços que antes eram acessíveis mediante compra tem frustrado consumidores de diferentes tipos de mídia, gerando incertezas e questionamentos sobre a real posse dos jogos. Diante desse cenário, o IGN Brasil realizou uma entrevista com os advogados especialistas em direito digital Alexandre Atheniense, membro do Comitê de Gestão Empreendedorismo e Inovação no Conselho Federal da OAB, e Marcelo Crespo, coordenador dos cursos de graduação e pós-graduação de Direito da ESPM, com o objetivo de compreender a abordagem jurídica acerca dessas questões. Segundo Alexandre, os usuários, na verdade, não estão comprando os jogos, mas sim pagando por um direito de acesso à plataforma. Ele ressaltou que as empresas detentoras dos videogames têm o poder de revogar o acesso dos usuários conforme as regras estabelecidas nos Termos de Serviço. Tanto ele quanto Marcelo destacaram a inexistência de um artigo específico que proteja o comprador no caso de um game deixar de existir, uma vez que cada empresa define seus próprios termos. É importante ressaltar que toda relação entre usuário e plataforma é considerada como uma relação de consumo, sendo aplicado o Código do Consumidor nesses casos, já que o serviço é prestado mediante remuneração. Caso o consumidor se sinta lesado, há a possibilidade de buscar seus direitos previstos no Código do Consumidor, como a solicitação de reembolso ou outra forma de compensação. Isso significa que empresas como a Ubisoft, que reservam a si mesmas o direito de não garantir a disponibilidade contínua dos serviços e de cancelar partes ou todos os serviços a qualquer momento, estão resguardadas de possíveis processos relacionados à propriedade dos títulos. Contudo, os consumidores têm a possibilidade de acionar os órgãos de defesa do consumidor e buscar reembolso com base em outros critérios. Marcelo concordou com as colocações de Alexandre e salientou que situações como o desligamento dos servidores de jogos como LittleBigPlanet 3 e a descontinuação de Wonderbox após a aquisição do estúdio Aquiris pela Epic Games têm se tornado polêmicas, pois as empresas muitas vezes não comunicam adequadamente seus consumidores. O coordenador da ESPM observou que os consumidores, muitas vezes, não têm ciência de que estão adquirindo apenas uma licença que pode ser alterada pelos desenvolvedores a qualquer momento. Marcelo ressaltou que não há uma proibição de atualizações ou descontinuidade nos termos do Código do Consumidor, sendo mais uma questão de interpretação em casos extremos de reembolso. Embora nem sempre seja possível manter o acesso aos jogos adquiridos, alguns títulos, como Spec Ops: The Line, podem ser jogados mesmo que não estejam mais disponíveis nas lojas digitais. A preservação de ROMs é uma alternativa para manter os arquivos dos jogos, algo que foge do escopo de jogos como The Crew, nos quais os jogadores perdem completamente a possibilidade de acesso ao título. Em alguns casos, como o de jogadores de League of Legends que conseguiram reaver o dinheiro investido após terem suas contas banidas, é possível buscar formas de reembolso, embora não seja garantido que todos os players receberão a mesma compensação em situações semelhantes. O mercado de jogos eletrônicos está em constante evolução, e é possível que, com a crescente popularização dos serviços de consumo digital, novas leis e regulamentos sejam desenvolvidos para proteger os consumidores e evitar que tenham seus itens retirados sem aviso prévio. Portanto, é essencial que os jogadores estejam cientes dos termos e condições das plataformas que utilizam e busquem seus direitos caso se sintam prejudicados. A compreensão de que a compra de jogos digitais equivale, na verdade, à aquisição de uma licença de uso que pode ser modificada pelas empresas a qualquer momento é fundamental para uma relação mais transparente entre consumidores e desenvolvedoras.
Fonte Notícia: https://br.ign....
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